Sempre fugi, tangenciei e fiquei “em cima do muro” para falar daquilo que é tão falado, do que já é tão poetizado, cheio de versos, de trovas, musicado, cantado. Resisti para não chegar nesse lugar-comum-óbvio que é trazer o campo dos relacionamentos afetivos para os meus discursos. Mas não há quem consiga resisti àquilo que nos persegue em todos os lugares, seja em música, seja em filme, seja em prosa. Aquilo que está presente nas falas e também nos silêncios. Trago para a discussão o amor. Tentei fazer o possível para não deixar essas linhas piegas, porque é decepcionante ler algo que fale de amor, de uma maneira básica e comum, melosa e derretida. Fico por fora e fujo dos escritos que parecem ter “mel”, adocicados e chatinhos.
Há muito tempo desconstruí a noção demasiada romântica e platônica de amar. Platão não me pega mais com seus amores inalcançáveis e idolatrados. A experiência de vida e também muito processo de leitura, observação e reflexão me fizeram acreditar em algo mais real, porque para mim “a vida é real e de viés”. Foi pensando sobre “O quereres” de Caetano juntamente com o conhecimento empírico que a vida me trouxe que a minha idéia sobre o amor vem sendo desconstruída-reconstruída.
Penso que liberdade e “empreendedorismo” são palavras atuais para o amor. Nada atualmente faz duas pessoas estarem juntas do que o simples fato de conseguir ser livre e ser quem realmente é num relacionamento. Você estar com o outro, compartilhando vida e conseguindo trazer você mesmo para essa dualidade, de maneira natural e leve, sem dúvidas é a mais genuína forma de amar. E, além disso, estar coexistindo com os defeitos, aquele amor imperfeito, mas que é real, atual, contemporâneo. Estar com o outro aceitando defeitos, ou não, mas os suportando pelo simples fato de ter alguém para nos acompanhar durante as travessias. Isso não é piegas, é essencial para dar seguimento à caminhada a dois. Ser livre! Porque apesar de estar a dois, somos “um” primeiro. Somos “eu” antes de sermos “nós”. E quando somos dois, estamos nos relacionando, e sendo dois, aceitamos o outro como ele se apresenta, mas temos a liberdade (mais uma vez ela) de dispensarmos esse outro que compõe a dupla, caso não nos agrade. A liberdade, ela e suas possibilidades.
Falei de “empreendedorismo”, palavra que soa estranha ao falar de amor. Pouco romântica e meio empresarial. Mas é necessário empreender mesmo, ser extremamente criativo para manter uma relação. A comodidade existe, a rotina e a “falta de saco”. Existe a impaciência e os momentos de fúria. Como existem os tempos de guerra! Mas empreender na relação muda todo o jogo, mudar os velhos costumes, ter disposição para isso. Engatar uma mudança, rever os paradigmas do próprio relacionamento. É de uma beleza significativa ter coragem de mudar, de renovar só para, mais uma vez, apostar nesse amor onde “o bom encontro é o de dois”. Essas são as duas coisas que parecem manter uma relação nos tempos atuais, liberdade e empreendedorismo. Mas infelizmente não existe receita de bolo.
A essas características essenciais acrescentamos também aquelas outras de saborosíssimas e especiais que parecem trazer a idéia de paraíso: o olhar, o encontro da pele, os cheiros, o silêncio, aquela fala esperada ou inesperada, as surpresas, a reconciliação depois de uma briga, o sexo depois de uma briga, o cuidado, o entendimento, a compreensão, a companhia essencial para atravessar o mundo e a vida.
Realmente, o amor tem muito sim de piegas e de clichê. Mas isso faz parte dos ingredientes daquilo que não é receita. Mas amor também tem fim, como já disse tantas vezes, nem nesse vislumbre de perfeição existe eternidade. As relações acabam mesmo. É duro acreditar, difícil de compreender, quando todo aquele início, com aquela intensidade e brilho, começa a se dissipar e se desfazer. Parece inaceitável, a gente se culpa e tenta reverter. Um encanto que nos parece eterno, inacabável porque é intenso demais, gostoso demais de repente, depois de uma parcela de tempo, vai embora. Quase que dá mesma forma que veio: de súbito. Muito fácil aceitar o amor no início: vem belíssimo, cheio de esperanças e expectativas de eternidade, mas a falácia do eterno é muito traiçoeira. É doloroso aceitar que o amor pode acabar, porém é maduro e muito humano conseguir se desvencilhar das outras coisas que nos prendem, aquelas amarras que não são mais do amor, mas sim dos comodismos, do tempo passado, do medo da solidão. Nada mais humano do que dar adeus àquilo que um dia foi, e que foi muito, mas que não é mais. Falar de amor também é falar de frustração, de fracasso e de perdas. Não vamos apenas embelezar textos com as partes floridas do amor.
O amor é tudo, todo o ciclo, aceitável ou não. Vamos parar com a mania de dizer que “não deu certo”. Deu sim, certo demais. Se te possibilitou, durante algum tempo, vivenciar um sentimento intenso, foi sim tudo muito certo. E o mais importante: foi experiência. Muito melhor tomar as coisas como experiência e seguir a partir do que foi e do que poderá ser. Porque o amor tem outra coisa muito boa: ele aparece algumas vezes na vida. Ele vem de novo, quase como um fenômeno raro. Surge novamente alguém que complementa aquele “um” e o torna, mais uma vez, “dois”.
Amar é liberdade, é entrega, mas também a aceitação de nós mesmos. É a possibilidade de enxergar no outro algo que está em nós enquanto “um”. É aquele “sabor de fruta mordida” ainda fresco na boca. É a possibilidade de encontro sexual intenso, de encontro vivencial, de encontro de histórias. É a possibilidade de fazer história. É renovação, é deixar o outro livre para que volte. É silêncio e também muitos sons. É composto de cores, de tonalidades, de muitas músicas (as trilhas sonoras). É pulsão de vida e pulsação. Vida em total movimento, renovando, criando. Amor é contato
O melhor amor é aquele que possibilita a extensão do ser e crescimento pessoal. Seria bom que não faltasse na vida de ninguém este encontro, que fosse sempre possível vivenciar uma vez, ou muitas vezes, esse prazeroso mistério que nos induz a tantas mudanças e tantas aprendizagens. Que não nos falte amar, mas que não falte aquele amor que possibilita a ampliação de nós enquanto nós mesmos. E que seja sempre real, onde possa coexistir o ser livre e o intenso amante.
Lindo Isabel! Esse sentimento mágico, avassalador!! Que nos carrega em seus braços levando-nos a vivenciar momentos incríveis!!! E a vida e na vida isso alegra e fortalece o dia á dia!! Obrigado pelo texto, pelo sentimento compartilhado!! Beijo no coração!! Aloha!! :D
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