quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Aquilo que se repete e é belo

Sempre fugi, tangenciei e fiquei “em cima do muro” para falar daquilo que é tão falado, do que já é tão poetizado, cheio de versos, de trovas, musicado, cantado. Resisti para não chegar nesse lugar-comum-óbvio que é trazer o campo dos relacionamentos afetivos para os meus discursos. Mas não há quem consiga resisti àquilo que nos persegue em todos os lugares, seja em música, seja em filme, seja em prosa. Aquilo que está presente nas falas e também nos silêncios. Trago para a discussão o amor. Tentei fazer o possível para não deixar essas linhas piegas, porque é decepcionante ler algo que fale de amor, de uma maneira básica e comum, melosa e derretida. Fico por fora e fujo dos escritos que parecem ter “mel”, adocicados e chatinhos.
Há muito tempo desconstruí a noção demasiada romântica e platônica de amar. Platão não me pega mais com seus amores inalcançáveis e idolatrados. A experiência de vida e também muito processo de leitura, observação e reflexão me fizeram acreditar em algo mais real, porque para mim “a vida é real e de viés”. Foi pensando sobre “O quereres” de Caetano juntamente com o conhecimento empírico que a vida me trouxe que a minha idéia sobre o amor vem sendo desconstruída-reconstruída.
Penso que liberdade e “empreendedorismo” são palavras atuais para o amor. Nada atualmente faz duas pessoas estarem juntas do que o simples fato de conseguir ser livre e ser quem realmente é num relacionamento. Você estar com o outro, compartilhando vida e conseguindo trazer você mesmo para essa dualidade, de maneira natural e leve, sem dúvidas é a mais genuína forma de amar. E, além disso, estar coexistindo com os defeitos, aquele amor imperfeito, mas que é real, atual, contemporâneo. Estar com o outro aceitando defeitos, ou não, mas os suportando pelo simples fato de ter alguém para nos acompanhar durante as travessias. Isso não é piegas, é essencial para dar seguimento à caminhada a dois. Ser livre! Porque apesar de estar a dois, somos “um” primeiro. Somos “eu” antes de sermos “nós”. E quando somos dois, estamos nos relacionando, e sendo dois, aceitamos o outro como ele se apresenta, mas temos a liberdade (mais uma vez ela) de dispensarmos esse outro que compõe a dupla, caso não nos agrade. A liberdade, ela e suas possibilidades.
Falei de “empreendedorismo”, palavra que soa estranha ao falar de amor. Pouco romântica e meio empresarial. Mas é necessário empreender mesmo, ser extremamente criativo para manter uma relação. A comodidade existe, a rotina e a “falta de saco”. Existe a impaciência e os momentos de fúria. Como existem os tempos de guerra! Mas empreender na relação muda todo o jogo, mudar os velhos costumes, ter disposição para isso. Engatar uma mudança, rever os paradigmas do próprio relacionamento. É de uma beleza significativa ter coragem de mudar, de renovar só para, mais uma vez, apostar nesse amor onde “o bom encontro é o de dois”. Essas são as duas coisas que parecem manter uma relação nos tempos atuais, liberdade e empreendedorismo. Mas infelizmente não existe receita de bolo.
A essas características  essenciais acrescentamos também aquelas outras de saborosíssimas e especiais que parecem trazer a idéia de paraíso: o olhar, o encontro da pele, os cheiros, o silêncio, aquela fala esperada ou inesperada, as surpresas, a reconciliação depois de uma briga, o sexo depois de uma briga, o cuidado, o entendimento, a compreensão, a companhia essencial para atravessar o mundo e a vida.
 Realmente, o amor tem muito sim de piegas e de clichê. Mas isso faz parte dos ingredientes daquilo que não é receita. Mas amor também tem fim, como já disse tantas vezes, nem nesse vislumbre de perfeição existe eternidade.  As relações acabam mesmo. É duro acreditar, difícil de compreender, quando todo aquele início, com aquela intensidade e brilho, começa a se dissipar e se desfazer. Parece inaceitável, a gente se culpa e tenta reverter. Um encanto que nos parece eterno, inacabável porque é intenso demais, gostoso demais de repente, depois de uma parcela de tempo, vai embora. Quase que dá mesma forma que veio: de súbito. Muito fácil aceitar o amor no início: vem belíssimo, cheio de esperanças e expectativas de eternidade, mas a falácia do eterno é muito traiçoeira. É doloroso aceitar que o amor pode acabar, porém é maduro e muito humano conseguir se desvencilhar das outras coisas que nos prendem, aquelas amarras que não são mais do amor, mas sim dos comodismos, do tempo passado, do medo da solidão. Nada mais humano do que dar adeus àquilo que um dia foi, e que foi muito, mas que não é mais. Falar de amor também é falar de frustração, de fracasso e de perdas. Não vamos apenas embelezar textos com as partes floridas do amor.
O amor é tudo, todo o ciclo, aceitável ou não. Vamos parar com a mania de dizer que “não deu certo”. Deu sim, certo demais. Se te possibilitou, durante algum tempo, vivenciar um sentimento intenso, foi sim tudo muito certo. E o mais importante: foi experiência. Muito melhor tomar as coisas como experiência e seguir a partir do que foi e do que poderá ser. Porque o amor tem outra coisa muito boa: ele aparece algumas vezes na vida. Ele vem de novo, quase como um fenômeno raro.  Surge novamente alguém que complementa aquele “um” e o torna, mais uma vez, “dois”.
Amar é liberdade, é entrega, mas também a aceitação de nós mesmos. É a possibilidade de enxergar no outro algo que está em nós enquanto “um”. É aquele “sabor de fruta mordida” ainda fresco na boca. É a possibilidade de encontro sexual intenso, de encontro vivencial, de encontro de histórias. É a possibilidade de fazer história. É renovação, é deixar o outro livre para que volte. É silêncio e também muitos sons. É composto de cores, de tonalidades, de muitas músicas (as trilhas sonoras). É pulsão de vida e pulsação. Vida em total movimento, renovando, criando. Amor é contato
O melhor amor é aquele que possibilita a extensão do ser e crescimento pessoal. Seria bom que não faltasse na vida de ninguém este encontro, que fosse sempre possível vivenciar uma vez, ou muitas vezes, esse prazeroso mistério que nos induz a tantas mudanças e tantas aprendizagens. Que não nos falte amar, mas que não falte aquele amor que possibilita a ampliação de nós enquanto nós mesmos. E que seja sempre real, onde possa coexistir o ser livre e o intenso amante.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Para quem somos mulheres?





O tempo passa, o tempo voa e a onda machista continua existindo numa boa. É esse o pensamento que vem quando observo o lugar da mulher contemporânea. Será que seremos sempre escravas do "grande outro" que é a aprovação masuclina? 
Pensando sobre a mulher na atualidade que nos cerca e nos aperta, eu tenho um sentimento de “nadar, nadar e morrer na praia”.  Por incrível que pareça, toda a luta, queima de sutiã e leituras sobre gênero não parecem ter ajudado muito quando o assunto é interiorizar os nossos direitos e desejos. O quadro que observo (o qual também faço parte) é que parece que as mulheres ainda vivem o tempo todo sob a custódia do olhar masculino. É quase que um jogo persecutório: “eu vou agir assim porque ser assim é mais aceito. Homem não gosta quando a mulher faz isso.” Mesmo que não seja perceptível a tal ponto, o que se apresenta à minha escuta cansada deste dilema é a mulher sempre à mercê do opressor discurso pautado na supremacia masculina.  
As minhas queridas companheiras de gênero parecem não entender nada do que deve ser aprendido. Relacionam-se esperando retornos dos homens, privam seus desejos, excluem suas queixas, optam por escolhas que não fazem parte de suas ordens de desejo, mas sim da ordem de desejo do outro, sendo que este outro as oprime e as desqualifica em seus sistemas classificatórios para as mulheres.
Vamos para o que interessa e sobre o que quero falar. Certa feita estava pesquisando algo sobre gênero, buscando uma leitura interessante e eis que me deparo com um blog de nome um tanto quanto duvidoso, algo como “manual do cafajeste”. O que me pareceu assustador é que o tal manual era destinado ao público feminino. O texto que abri estava falando algo como “o tempo certo para transar com o cara”, comecei a ler, achei a temática interessante, visto que o assunto sempre se mostra polêmico por ser relacionado à mulher, porque quando se trata do homem não existe este debate todo. Li tudo e não acreditei. O tal homem chamado de “cafa” dava mil orientações de como fazer o cara pensar que você é uma mulher “direita” a partir do fato de levá-la para cama ou não, e então ele nos classificou em três tipos. Vamos a tipologia:

1) Mulheres virgens (as mais difíceis de levar para cama e as quais eles devem ter todo um “cuidadinho” porque se apegam logo e depois é difícil de desgrudar. Palavras do “cafa man”);

2) As que gostam de “dar” sem compromisso (dizendo ele que são mulheres que transam mesmo sem “compromisso sério”, sem namoro. Para nosso querido essas só estão a fim de curtir por aí. Idéias dele também.)

3) As que demoram muito para “dar” ou que só “dão” namorando (dizendo o “cafa” que este é um grupo mais seleto, onde até vale à pena arriscar a reputação “masculina solteira” para um namoro).

Ao ler isso não me surpreendi, sendo que estava vindo de um homem assumidamente machista e “cafajeste”, apesar de que me contorcia na cadeira quando lia as tais classificações (mas já já falo disso). O surpreendente mesmo veio logo abaixo nos comentários femininos. As mulheres “assinaram em baixo” essa bela classificação, achavam que deveriam realmente agir assim para conquistarem um cara. Fechei a janela do tal blog e mais uma vez refleti e pensei em escrever. No momento não saiu nada sobre, estava elaborando tudo aquilo, mas acho que me permiti falar (mais uma vez, estou cansando).
Desde quando a mulher deve ser classificada como se fosse mercadoria de conquista, venda ou troca? Somos coisas? Até quando vamos permitir que nos qualifiquem pelo nosso desejo sexual, pela nossa vida sexual ou pelas nossas escolhas de quando vamos transar? Por que vamos deixar que façam da nossa sexualidade motivo para sermos “escolhidas”? Por que vamos permitir que os homens determinem o nosso comportamento? Para que devemos nos boicotar de nós mesmas diante dos nossos desejos? Por que aceitar que a opinião masculina/machista nos coloque em uma classificação da ordem mais primária possível? Por que vamos continuar lendo sobre nós coisas deste tipo e ainda as ovacionar e ficarmos caladinhas?
Estes são alguns questionamentos que não buscam respostas. Estou falando de uma classe, estou falando de ser MULHER. Nós não precisamos mais provar que somos muito, que somos mais. Sabemos que existe todo o tipo de mulher e de pessoas, boas e ruins. Mas quando o julgamento parte de um discurso do “opressor – oprimido” a coisa muda de figura. Quando este discurso está pautado na diferença e supremacia de uma classe perante outra, a coisa muda de figura mesmo. A mulher tem direito de tudo que o homem tem também. Direito de trabalhar em grandes cargos, de dirigir, de governar, de sair à noite, de beber, de transar, de gozar. A mulher que se inaugura enquanto mulher banca todas essas coisas. A mulher que é mulher no sentido amplo da palavra é múltipla, rala no seu trabalho, estuda, cria filhos, perde noite, cuida da família. Nesta mesma mulher coexiste a que deseja, a que quer sentir prazer e que pode e quer dar prazer também. Não é necessário justificar nada, apenas falar que é abominável em pleno momento pós-moderno que vivemos ainda existir este tipo de pensamento e a aprovação do mesmo.
Vivam, mulheres. Experimentem viver sem essas sufocantes amarras sociais que segregam. A sociedade não precisa nos impor a forma que nós devemos ser. Se estiverem buscando um relacionamento mais estável, o homem que estiver livre destas amarras ridículas e pegajosas do machismo (eles existem e conheço muitos) vai saber perceber que se você sente vontade de transar e transa é porque deseja, e que desejo é movimento, é pulsação. Este homem vai saber que não é porque você transa ou não transa que você é boa ou não para casar com ele e lhe dar filhos. Não é isso que “qualificar” ninguém. O homem livre desses estereótipos percebe a mulher de outra forma, o que vai conquistá-lo não é quando você fez sexo com ele, mas sim coisas muito mais importantes para se estabelecer uma relação. A história de vocês, a conversa entre vocês, a sua forma de ver o mundo, a sua forma de lidar com as pessoas, a forma como o trata e como lhe dá carinho, a sua visão de futuro, sua autonomia, sua independência, o companheirismo, a compreensão, o olhar, o encontro. Enfim, não se apeguem a isso, não deixem o discurso nebuloso machista se apropriar de vocês (de nós).
Eu repito e vou morrer repetindo: tudo o que tiver de ser feito para que a mulher goze plena de si mesma eu não medirei esforços para apoiar e para fazer. E conto com a nossa tomada de consciência. Já demos grandes passos!

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Relações, vazios e malabarismos pós-modernos

The Lovers -René Magritte


A pauta da moda nos discursos das ciências humanas é a tentativa de esgotar a análise sobre as pessoas e suas maneiras de encarar as relações neste nosso momento contemporâneo. Eu, enquanto peça deste cenário, converso e conheço todo tipo de gente (adoro fazer isso, melhor laboratório, impossível), tento escutar cada experiência, anseio, angústia, dúvida, e foi a partir disso que busquei trazer para discussão as modalidades de relações que estão sendo inauguradas.
Sabemos que a pós-modernidade possibilita diversas formas de encontro. O momento traz em sua consigna o prazer intenso e a busca dele, porém de maneira muito volátil. Isso tudo é um fenômeno, e se é fenômeno, tem que ser compreendido como tal. Pensando neste sentido, percebo que a maioria das pessoas se relaciona por meio de encontros casuais, momentos intensos, pouca ou nenhuma cobrança e um distanciado que parece, inicialmente, eficaz. Acredito que apesar da grande parcela estabelecer este tipo de encontro emocional-sexual, quase todo mundo não consegue compreender e aceitar isso. São raras as exceções. A carência afetiva se instaura na subjetividade, a necessidade de ter mais que sexo e prazer aparece com uma força que desequilibra a ordem de desejo do humano.
A pós-modernidade é tentadora, porém cruel com este novíssimo homem.  Mostra a possibilidade de não ter o menor envolvimento, mas existe a cobrança e necessidade interna de ir além. Essa angústia acaba desencadeando um processo de insatisfação pulsante no homem líquido, que quer distância e ao mesmo tempo deseja vivenciar algo próximo, que esteja além do sexo e do prazer. O hedonismo mostra a sua face deliciosa, possibilidades de experiência sexuais riquíssimas, mas aquele vazio subjetivo sempre parece ganhar força nos dramas internos. Então surge a pergunta: “o que eu desejo?”. O homem pós-moderno não entende o que deseja, isso não é palpável para ele, se tornou muito disperso e difícil de alcançar. Ele se equilibra entre prazer e necessidade de vínculos estáveis e sintomatiza sua angustia nos consultórios e demais espaços de escuta e comunicação.
Qual será o gozo deste homem? As pessoas entram em padrões de fuga e esquiva dos relacionamentos estáveis, verdadeiros malabarismos da emoção e da proximidade. A intimidade e individualidade não podem ser atingidas porque este homem tem necessidade dele mesmo, ele quer prazer em si mesmo e utiliza do corpo do outro para potencializar o seu gozo (mas que gozo é esse afinal?). O homem sozinho gosta da sua solidão, mas grita por companhia e sente carência. Então este homem contemporâneo entra no processo de casualidades, satisfazendo o seu instinto sexual e gozando fisicamente frente ao vazio. O que chega à minha escuta é justamente o que já sabemos: a insatisfação inscrita no homem. Nada completa o espaço vazio subjetivo por mais que exista tanta oferta.
Vamos pensar sobre o homem contemporâneo tal como ele é e se apresenta, com suas necessidades e vicissitudes, anseios e vácuos. Aceitemos este homem. Os grandes sintomas pós-modernos surgem da luta subjetiva da ambivalência. É um momento de conhecimento sobre essa nova condição humana de se alimentar de vazios. As anorexias são sintomas de se comer o nada; as redes sociais são sintomas da necessidade de quantidade e exibição, porém de distanciamento (cada um está no seu globo individual); os vínculos rápidos e descartáveis são sintomas da necessidade de preencher para depois esvaziar. O homem está em si mesmo, por si mesmo. Prazer, gozo, descarga energética e vazio. O momento é o da chegada de outra tônica relacional decorrente de tudo aquilo que já sabemos: globalizações, neoliberalismos, grandes guerras, industrializações, dentre outros aparatos históricos, culturais e sociais, todos muito entrelaçados.
É necessário um processo de compreensão sobre este fenômeno e de aceitação dessa nova condição. Toda transição traz angustia e mudança no homem, que é fábrica e instrumento desse mundo. Quem sabe no processo de aceitação as coisas não se tornem menos dolorosas e angustiantes? Compreender a inclusão da experiência do contemporâneo nas subjetividades enquanto constituinte e formadora. É indispensável parar de estigmatizar este momento. São novos encontros, novas práticas e experiências inseridos no período pós-moderno. E eu, daqui de fora e de dentro (como sempre faço), venho me encantando cada vez mais pelo humano e suas facetas. Por mais que seja criticado em suas modificações, ele nunca se completa e não vai se encerrar por aqui, e é aí que está toda a sua sedução e beleza.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Tempo-homem

A persistência da memória - Salvador Dalí

Vai chover
Foi a previsão
Que deu na TV

Desabará água do céu
Mas o que fazer da água
Que aqui desaba?

Chove dentro
A notícia interna
Diz que é época
De chuva forte

Fala-se de tempo
O tempo todo
Mas o que dizer
Do íntimo tempo?

O que falar sobre a água
Que deságua
Em não se sabe onde
Aqui por dentro?

E desse tempo
Quem fará a previsão?
Pergunta uma emoção
E desfaz esta dúvida
A razão

Inundações
Ressacas
Períodos de seca
Água passadas

O tempo em nós
Faz e desfaz
Os nós

Contrariando leis da natureza
Em sua lógica
Ilógica e pulsante

Pela experiência
Do homem
Mergulhado na substância tempo
Tornar-se humano

sábado, 1 de setembro de 2012

Um eterno que está indo embora




        Coisas que tomam forma e depois se desfazem, e que, seguindo o ciclo, se reconstroem. Essa é a nova tônica da contemporaneidade. Andei pensando na noção de eternidade atualmente e cheguei a algumas reflexões. Essa noção está ficando falida, parece que está meio que démodé. Acredito que sair da moda tenha sido uma excelente contribuição do crescimento “sócio- histórico- cultural” em relação à noção de eterno. Sempre acreditei, durante muito tempo na vida, que o que é eterno é melhor. Achava que tudo que era eternizado era realmente importante e significativo. Mas desconstruí essa idéia com muita leitura, com alguma vivência e com muito processo de reflexão.
A eternidade pode escravizar as pessoas em sonhos e metas desnecessárias. Escravizar no sentido de prendê-las a algo que já não as detém. Profissões, amizades, relacionamentos, enfim, práticas que muitas vezes já tiveram o seu momento, mas que infelizmente por demanda do tempo, se esgotaram. Mas a noção romântica e cartesiana impregna nossos pensamentos e nos atormenta em relação ao que tem que durar “para todo o sempre.” Seja em qualquer uma das esferas de nossa vida, essa mania de eternidade demasiada humana atropela todas as coisas e perpassa nosso caminhar. Atualmente, com toda fluidez das relações, percebemos que está um pouco mais fácil se desprender do “fantasma da eternidade”. As pessoas já conseguem ponderar sobre as suas próprias decisões incluindo “a não eternidade” em suas escolhas. Já não é tão gritante não se apegar ao eterno. Tornou-se mais fácil com as modificações sociais e de relações humanas que sempre estamos passando. Essa maleabilidade do quesito relação proporcionou um novo tônus ao eterno. Então ele é, atualmente, “enquanto dure”, como já diria certo “poetinha”. É fantástico poder ter a liberdade de não se prender pela mania de eternidade. Isso demonstra maturidade, compreensão e dinamismo.
Certamente, pensamos juntos que existem muitas coisas que poderiam ser eternas sim. Mas pensando de uma maneira mais “desapegada”, tudo que pára no tempo junto com a eternidade, não proporciona renovação de ciclo, não possibilita engatar a mudança. As unanimidades, as “rainhas”, “reis” e “princesas” da mídia que ficam eternizados nas memórias da massa impossibilitam que chegue o que é novo e que também pode ser bom, ou até mesmo melhor do que os que ganharam títulos. E o povo eterniza: “a rainha disso”, “o melhor de todos os tempos.” Estagnar as coisas, prendê-las no tempo para empurrar o eterno “goela abaixo” faz o homem se tornar um pouco ignorante. Evidencia certo desconhecimento sobre as mil possibilidades que a vida pode trazer. Eternizar tudo é muito mais fácil do que admitir o novo e a mudança de algumas coisas. Cômodo, aconchegante, confortável, demanda menos gasto de energia. Porém tira o sabor do fruto essencial e prazeroso da dinâmica da vida: o mistério. O que vem do que não precisa ser eterno. O que virá daí? Mistério. Ando sempre em busca do âmago do mistério. Um pouquinho de dúvida e de renovação sempre é tentador. Eternidade tem que ser finda. Essas coisas sim ficarão, deixarão saudade, farão os olhos brilharem algumas vezes. Quando os olhos já não brilham, por mais que se queira insistir e esgotar para se atingir o eterno, talvez não seja justo com o que faça ascender o brilho incerto. Talvez incerteza seja a palavra.