segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Consulta médica sem rotina

Não sei o que é, doutor.
Aparecem manchas
Surgem placas
Coçam

Fiz exames sim
O que será, doutor?
Como assim não é nada?
Como assim não tem nome?

Não venha me falar que é estresse
Não venha me falar que é rotina
Não venha me falar em ansiedade, doutor.

Sei do mal que padeço
Mais do que o senhor
Que possui o saber médico
Sei, doutor, qual é a minha mazela

Você com seus compêndios
Não vai admitir que sabe
E eu com esses olhos
Já tenho a minha verdade, doutor

Sofro de algo que não pego
Sofro do longe
Sofro do vácuo
Sofro do pouco
Sofro do oco
A gente sabe, eu e você

Qual é a solução, doutor?
Você não tem resposta
Eu também não tenho
Nisso os nossos saberes
Encontram-se, meu doutor

Vou sair por essa porta
Vou dirigir meu carro
Vou chegar em casa, doutor
Vou buscar meu tratamento
Um dia, doutor
Hei de achar
E você vai desacreditar...

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Sobre a moça


The beauty of dance -  Leonid Afremov

Ela sendo
Faz-se refazendo
Mal sabe a moça
O que há nos seus olhos
Pouco sabe dela
Quem acha que sabe
Se mal sabe ela
O que lhe invade


Um esboço, um traço
A moça que aperta o passo
É simples nos gostos
O pouco lhe agrada
Simples nos gestos
Parece ter um recato


O que a moça gosta
É da experiência
O intenso a fascina
E o incerto a encanta
Não gosta do óbvio
Prefere o prolixo
Não se acostuma a cotidianos


Quem será ela?
Para onde será que ela vai?
Terá ela objetivos?
Alguém já a questionou
A moça respondeu
Sem responder
Ela gosta da incerteza
Ousou pouco quem a perguntou



A moça não liga para o script
Segue a emoção
Será que sonha?
Será que erra?
Mas ela é a moça
Que gosta do experimento
O que lhe pega
É o que não é
O que lhe agrada
É o que parece um ensaio
Foge das completudes


Inacabado, imperfeito
Ela valsa por meio
Do mundo de palavras
Se soubessem
O que invade o coração da moça
Perderia toda a graça



Pouco sabe dela
Quem acha que muito sabe
A moça ri
Diverte-se com as certezas


A graça dela
Está na surpresa
Não se esforça
Para parecer nada
A moça é
No tempo do aqui-agora
A moça que acontece.

 

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Sobre pesquisas e encontros

“O que fazer quando se está angustiado?” buscou no Google, o homem aflito. Ele sabe que tudo o que tem dúvida ele consegue achar ou no Wikipédia ou no Yahoo Respostas, mas esta questão não conseguiu ser respondida. O que incomodava muito ele era a sua situação persistente de angústia, de ansiedade. O homem a todo o tempo tentava se desfazer desses sentimentos. Ele já sentia que isso era algo que estava durando muito. Esse homem procurou entrar numa academia, procurou fazer terapia, procurou meditar, procurou ler, procurou dividir com amigos e até procurou previsões místicas e esotéricas. Mas nada parecia curar aquele vazio enorme do homem; aquela onda de coisas que sucessivamente davam errado. Todas as esferas de sua vida não pareciam caminhar bem. Faltava tudo para aquele homem e ele só conseguia enxergar perdas e mais perdas pelo seu caminho. O que se tinha de adicional prazeroso era tão pouco perto da imensidão daquele mar de coisas ruins. Então o homem começou a se fechar, ficou com medo da doença e esse homem vive eternamente num estado de angústia. Pula de galho em galho na sua mente tentando utilizar toda a sua inteligência adquirida na tentativa encontrar a solução para sair desse estado. Nunca se sentiu tão sozinho e perdido, o homem. Dói muito para ele achar essa solução, ele se sente vulnerável. Conversa com as pessoas, fala na sua terapia, mas nada lhe acalma. O fato desse homem está só ainda lhe dificulta mais as coisas, pensa que se tivesse uma companheira que te desse a mão fosse muito mais fácil suportar essas agruras. Nessas tentativas de sair desse quadro, o homem saía bastante, procurava lugares que gostava, fazia de tudo para tirar de cena o fantasma angustiante. Ele não queria está só com ele mesmo. Nem com ele nem com o fantasma que ele sentia lhe acompanhar o tempo todo. Depois de muito tempo entre fugas, esquivas, promessas, orações e aconselhamentos, o homem pensou numa coisa diferente. Ele sabia que o que mais trazia para perto dele aquela angustia era o medo. Ele sentia medo da solidão, sentia medo da doença, sentia medo de não conseguir ser estabilizado financeiramente, sentia medo do insucesso. Quando o homem se viu tomado por todos esses medos ele viu a lâmpada que se vê nos desenhos animados. É bem verdade que ele já viu essa lâmpada outras vezes em suas tentativas. Mas dessa vez a lâmpada emitia um brilho diferente, a lâmpada convocava o homem para um encontro. Ele percebeu esse convite e se deixou seduzir por aquela idéia que lhe causa sentimentos ambíguos. O convite que o homem recebia era de se encontrar com alguém. Mas não era mais um daqueles encontros vazios, era o encontro mais importante que ele deveria ter. Então o homem se preparou, fez a sua barba naquela noite, se perfumou e colocou o seu melhor terno.  Estava impecável por fora, o homem. Quem o via sabia que ele estava na expectativa de um grande encontro. Foi então que ele viu que era chegada a hora. Durante décadas da sua vida aquele homem jamais pensou em mergulhar naquilo, foi então que ele deixou se levar para onde a lâmpada acendia a luz com muita intensidade. O homem estava caminhando para encontrar com ele mesmo. Pé a pé, lentamente, consciente, esperançoso e cheio de dúvidas e medos sim. O homem permitiu não fugir do seu próprio encontro e se jogou de corpo e alma. O homem conseguiu encarar de frente o fantasma dele, humano que é. Viu de perto e sozinho todos os males que se causava e todos os medos de que corria. Nesta noite de encontro, o homem viu de tudo nele. Viu prazeres, dores, amores, dúvidas, anseios, angústias. Finalmente o homem, no ato sexual com ele mesmo, chega ao gozo de si em si mesmo. Finalmente, ao amanhecer, o homem ainda tem a companhia do seu vazio e da sua angustia. Porém ele sabe que aquilo é constituinte dele, faz parte de sua natureza, sendo ela humana. O homem levantou, se olhou no espelho e sentia uma enorme vontade de si. Sentou-se a mesa e preparou um maravilhoso café para ele e também para ele mesmo.  Quando saiu de casa, o dia se fez claro e bonito lá fora e, de mãos dadas, caminhou na companhia de si.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Aquilo que se repete e é belo

Sempre fugi, tangenciei e fiquei “em cima do muro” para falar daquilo que é tão falado, do que já é tão poetizado, cheio de versos, de trovas, musicado, cantado. Resisti para não chegar nesse lugar-comum-óbvio que é trazer o campo dos relacionamentos afetivos para os meus discursos. Mas não há quem consiga resisti àquilo que nos persegue em todos os lugares, seja em música, seja em filme, seja em prosa. Aquilo que está presente nas falas e também nos silêncios. Trago para a discussão o amor. Tentei fazer o possível para não deixar essas linhas piegas, porque é decepcionante ler algo que fale de amor, de uma maneira básica e comum, melosa e derretida. Fico por fora e fujo dos escritos que parecem ter “mel”, adocicados e chatinhos.
Há muito tempo desconstruí a noção demasiada romântica e platônica de amar. Platão não me pega mais com seus amores inalcançáveis e idolatrados. A experiência de vida e também muito processo de leitura, observação e reflexão me fizeram acreditar em algo mais real, porque para mim “a vida é real e de viés”. Foi pensando sobre “O quereres” de Caetano juntamente com o conhecimento empírico que a vida me trouxe que a minha idéia sobre o amor vem sendo desconstruída-reconstruída.
Penso que liberdade e “empreendedorismo” são palavras atuais para o amor. Nada atualmente faz duas pessoas estarem juntas do que o simples fato de conseguir ser livre e ser quem realmente é num relacionamento. Você estar com o outro, compartilhando vida e conseguindo trazer você mesmo para essa dualidade, de maneira natural e leve, sem dúvidas é a mais genuína forma de amar. E, além disso, estar coexistindo com os defeitos, aquele amor imperfeito, mas que é real, atual, contemporâneo. Estar com o outro aceitando defeitos, ou não, mas os suportando pelo simples fato de ter alguém para nos acompanhar durante as travessias. Isso não é piegas, é essencial para dar seguimento à caminhada a dois. Ser livre! Porque apesar de estar a dois, somos “um” primeiro. Somos “eu” antes de sermos “nós”. E quando somos dois, estamos nos relacionando, e sendo dois, aceitamos o outro como ele se apresenta, mas temos a liberdade (mais uma vez ela) de dispensarmos esse outro que compõe a dupla, caso não nos agrade. A liberdade, ela e suas possibilidades.
Falei de “empreendedorismo”, palavra que soa estranha ao falar de amor. Pouco romântica e meio empresarial. Mas é necessário empreender mesmo, ser extremamente criativo para manter uma relação. A comodidade existe, a rotina e a “falta de saco”. Existe a impaciência e os momentos de fúria. Como existem os tempos de guerra! Mas empreender na relação muda todo o jogo, mudar os velhos costumes, ter disposição para isso. Engatar uma mudança, rever os paradigmas do próprio relacionamento. É de uma beleza significativa ter coragem de mudar, de renovar só para, mais uma vez, apostar nesse amor onde “o bom encontro é o de dois”. Essas são as duas coisas que parecem manter uma relação nos tempos atuais, liberdade e empreendedorismo. Mas infelizmente não existe receita de bolo.
A essas características  essenciais acrescentamos também aquelas outras de saborosíssimas e especiais que parecem trazer a idéia de paraíso: o olhar, o encontro da pele, os cheiros, o silêncio, aquela fala esperada ou inesperada, as surpresas, a reconciliação depois de uma briga, o sexo depois de uma briga, o cuidado, o entendimento, a compreensão, a companhia essencial para atravessar o mundo e a vida.
 Realmente, o amor tem muito sim de piegas e de clichê. Mas isso faz parte dos ingredientes daquilo que não é receita. Mas amor também tem fim, como já disse tantas vezes, nem nesse vislumbre de perfeição existe eternidade.  As relações acabam mesmo. É duro acreditar, difícil de compreender, quando todo aquele início, com aquela intensidade e brilho, começa a se dissipar e se desfazer. Parece inaceitável, a gente se culpa e tenta reverter. Um encanto que nos parece eterno, inacabável porque é intenso demais, gostoso demais de repente, depois de uma parcela de tempo, vai embora. Quase que dá mesma forma que veio: de súbito. Muito fácil aceitar o amor no início: vem belíssimo, cheio de esperanças e expectativas de eternidade, mas a falácia do eterno é muito traiçoeira. É doloroso aceitar que o amor pode acabar, porém é maduro e muito humano conseguir se desvencilhar das outras coisas que nos prendem, aquelas amarras que não são mais do amor, mas sim dos comodismos, do tempo passado, do medo da solidão. Nada mais humano do que dar adeus àquilo que um dia foi, e que foi muito, mas que não é mais. Falar de amor também é falar de frustração, de fracasso e de perdas. Não vamos apenas embelezar textos com as partes floridas do amor.
O amor é tudo, todo o ciclo, aceitável ou não. Vamos parar com a mania de dizer que “não deu certo”. Deu sim, certo demais. Se te possibilitou, durante algum tempo, vivenciar um sentimento intenso, foi sim tudo muito certo. E o mais importante: foi experiência. Muito melhor tomar as coisas como experiência e seguir a partir do que foi e do que poderá ser. Porque o amor tem outra coisa muito boa: ele aparece algumas vezes na vida. Ele vem de novo, quase como um fenômeno raro.  Surge novamente alguém que complementa aquele “um” e o torna, mais uma vez, “dois”.
Amar é liberdade, é entrega, mas também a aceitação de nós mesmos. É a possibilidade de enxergar no outro algo que está em nós enquanto “um”. É aquele “sabor de fruta mordida” ainda fresco na boca. É a possibilidade de encontro sexual intenso, de encontro vivencial, de encontro de histórias. É a possibilidade de fazer história. É renovação, é deixar o outro livre para que volte. É silêncio e também muitos sons. É composto de cores, de tonalidades, de muitas músicas (as trilhas sonoras). É pulsão de vida e pulsação. Vida em total movimento, renovando, criando. Amor é contato
O melhor amor é aquele que possibilita a extensão do ser e crescimento pessoal. Seria bom que não faltasse na vida de ninguém este encontro, que fosse sempre possível vivenciar uma vez, ou muitas vezes, esse prazeroso mistério que nos induz a tantas mudanças e tantas aprendizagens. Que não nos falte amar, mas que não falte aquele amor que possibilita a ampliação de nós enquanto nós mesmos. E que seja sempre real, onde possa coexistir o ser livre e o intenso amante.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Para quem somos mulheres?





O tempo passa, o tempo voa e a onda machista continua existindo numa boa. É esse o pensamento que vem quando observo o lugar da mulher contemporânea. Será que seremos sempre escravas do "grande outro" que é a aprovação masuclina? 
Pensando sobre a mulher na atualidade que nos cerca e nos aperta, eu tenho um sentimento de “nadar, nadar e morrer na praia”.  Por incrível que pareça, toda a luta, queima de sutiã e leituras sobre gênero não parecem ter ajudado muito quando o assunto é interiorizar os nossos direitos e desejos. O quadro que observo (o qual também faço parte) é que parece que as mulheres ainda vivem o tempo todo sob a custódia do olhar masculino. É quase que um jogo persecutório: “eu vou agir assim porque ser assim é mais aceito. Homem não gosta quando a mulher faz isso.” Mesmo que não seja perceptível a tal ponto, o que se apresenta à minha escuta cansada deste dilema é a mulher sempre à mercê do opressor discurso pautado na supremacia masculina.  
As minhas queridas companheiras de gênero parecem não entender nada do que deve ser aprendido. Relacionam-se esperando retornos dos homens, privam seus desejos, excluem suas queixas, optam por escolhas que não fazem parte de suas ordens de desejo, mas sim da ordem de desejo do outro, sendo que este outro as oprime e as desqualifica em seus sistemas classificatórios para as mulheres.
Vamos para o que interessa e sobre o que quero falar. Certa feita estava pesquisando algo sobre gênero, buscando uma leitura interessante e eis que me deparo com um blog de nome um tanto quanto duvidoso, algo como “manual do cafajeste”. O que me pareceu assustador é que o tal manual era destinado ao público feminino. O texto que abri estava falando algo como “o tempo certo para transar com o cara”, comecei a ler, achei a temática interessante, visto que o assunto sempre se mostra polêmico por ser relacionado à mulher, porque quando se trata do homem não existe este debate todo. Li tudo e não acreditei. O tal homem chamado de “cafa” dava mil orientações de como fazer o cara pensar que você é uma mulher “direita” a partir do fato de levá-la para cama ou não, e então ele nos classificou em três tipos. Vamos a tipologia:

1) Mulheres virgens (as mais difíceis de levar para cama e as quais eles devem ter todo um “cuidadinho” porque se apegam logo e depois é difícil de desgrudar. Palavras do “cafa man”);

2) As que gostam de “dar” sem compromisso (dizendo ele que são mulheres que transam mesmo sem “compromisso sério”, sem namoro. Para nosso querido essas só estão a fim de curtir por aí. Idéias dele também.)

3) As que demoram muito para “dar” ou que só “dão” namorando (dizendo o “cafa” que este é um grupo mais seleto, onde até vale à pena arriscar a reputação “masculina solteira” para um namoro).

Ao ler isso não me surpreendi, sendo que estava vindo de um homem assumidamente machista e “cafajeste”, apesar de que me contorcia na cadeira quando lia as tais classificações (mas já já falo disso). O surpreendente mesmo veio logo abaixo nos comentários femininos. As mulheres “assinaram em baixo” essa bela classificação, achavam que deveriam realmente agir assim para conquistarem um cara. Fechei a janela do tal blog e mais uma vez refleti e pensei em escrever. No momento não saiu nada sobre, estava elaborando tudo aquilo, mas acho que me permiti falar (mais uma vez, estou cansando).
Desde quando a mulher deve ser classificada como se fosse mercadoria de conquista, venda ou troca? Somos coisas? Até quando vamos permitir que nos qualifiquem pelo nosso desejo sexual, pela nossa vida sexual ou pelas nossas escolhas de quando vamos transar? Por que vamos deixar que façam da nossa sexualidade motivo para sermos “escolhidas”? Por que vamos permitir que os homens determinem o nosso comportamento? Para que devemos nos boicotar de nós mesmas diante dos nossos desejos? Por que aceitar que a opinião masculina/machista nos coloque em uma classificação da ordem mais primária possível? Por que vamos continuar lendo sobre nós coisas deste tipo e ainda as ovacionar e ficarmos caladinhas?
Estes são alguns questionamentos que não buscam respostas. Estou falando de uma classe, estou falando de ser MULHER. Nós não precisamos mais provar que somos muito, que somos mais. Sabemos que existe todo o tipo de mulher e de pessoas, boas e ruins. Mas quando o julgamento parte de um discurso do “opressor – oprimido” a coisa muda de figura. Quando este discurso está pautado na diferença e supremacia de uma classe perante outra, a coisa muda de figura mesmo. A mulher tem direito de tudo que o homem tem também. Direito de trabalhar em grandes cargos, de dirigir, de governar, de sair à noite, de beber, de transar, de gozar. A mulher que se inaugura enquanto mulher banca todas essas coisas. A mulher que é mulher no sentido amplo da palavra é múltipla, rala no seu trabalho, estuda, cria filhos, perde noite, cuida da família. Nesta mesma mulher coexiste a que deseja, a que quer sentir prazer e que pode e quer dar prazer também. Não é necessário justificar nada, apenas falar que é abominável em pleno momento pós-moderno que vivemos ainda existir este tipo de pensamento e a aprovação do mesmo.
Vivam, mulheres. Experimentem viver sem essas sufocantes amarras sociais que segregam. A sociedade não precisa nos impor a forma que nós devemos ser. Se estiverem buscando um relacionamento mais estável, o homem que estiver livre destas amarras ridículas e pegajosas do machismo (eles existem e conheço muitos) vai saber perceber que se você sente vontade de transar e transa é porque deseja, e que desejo é movimento, é pulsação. Este homem vai saber que não é porque você transa ou não transa que você é boa ou não para casar com ele e lhe dar filhos. Não é isso que “qualificar” ninguém. O homem livre desses estereótipos percebe a mulher de outra forma, o que vai conquistá-lo não é quando você fez sexo com ele, mas sim coisas muito mais importantes para se estabelecer uma relação. A história de vocês, a conversa entre vocês, a sua forma de ver o mundo, a sua forma de lidar com as pessoas, a forma como o trata e como lhe dá carinho, a sua visão de futuro, sua autonomia, sua independência, o companheirismo, a compreensão, o olhar, o encontro. Enfim, não se apeguem a isso, não deixem o discurso nebuloso machista se apropriar de vocês (de nós).
Eu repito e vou morrer repetindo: tudo o que tiver de ser feito para que a mulher goze plena de si mesma eu não medirei esforços para apoiar e para fazer. E conto com a nossa tomada de consciência. Já demos grandes passos!

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Relações, vazios e malabarismos pós-modernos

The Lovers -René Magritte


A pauta da moda nos discursos das ciências humanas é a tentativa de esgotar a análise sobre as pessoas e suas maneiras de encarar as relações neste nosso momento contemporâneo. Eu, enquanto peça deste cenário, converso e conheço todo tipo de gente (adoro fazer isso, melhor laboratório, impossível), tento escutar cada experiência, anseio, angústia, dúvida, e foi a partir disso que busquei trazer para discussão as modalidades de relações que estão sendo inauguradas.
Sabemos que a pós-modernidade possibilita diversas formas de encontro. O momento traz em sua consigna o prazer intenso e a busca dele, porém de maneira muito volátil. Isso tudo é um fenômeno, e se é fenômeno, tem que ser compreendido como tal. Pensando neste sentido, percebo que a maioria das pessoas se relaciona por meio de encontros casuais, momentos intensos, pouca ou nenhuma cobrança e um distanciado que parece, inicialmente, eficaz. Acredito que apesar da grande parcela estabelecer este tipo de encontro emocional-sexual, quase todo mundo não consegue compreender e aceitar isso. São raras as exceções. A carência afetiva se instaura na subjetividade, a necessidade de ter mais que sexo e prazer aparece com uma força que desequilibra a ordem de desejo do humano.
A pós-modernidade é tentadora, porém cruel com este novíssimo homem.  Mostra a possibilidade de não ter o menor envolvimento, mas existe a cobrança e necessidade interna de ir além. Essa angústia acaba desencadeando um processo de insatisfação pulsante no homem líquido, que quer distância e ao mesmo tempo deseja vivenciar algo próximo, que esteja além do sexo e do prazer. O hedonismo mostra a sua face deliciosa, possibilidades de experiência sexuais riquíssimas, mas aquele vazio subjetivo sempre parece ganhar força nos dramas internos. Então surge a pergunta: “o que eu desejo?”. O homem pós-moderno não entende o que deseja, isso não é palpável para ele, se tornou muito disperso e difícil de alcançar. Ele se equilibra entre prazer e necessidade de vínculos estáveis e sintomatiza sua angustia nos consultórios e demais espaços de escuta e comunicação.
Qual será o gozo deste homem? As pessoas entram em padrões de fuga e esquiva dos relacionamentos estáveis, verdadeiros malabarismos da emoção e da proximidade. A intimidade e individualidade não podem ser atingidas porque este homem tem necessidade dele mesmo, ele quer prazer em si mesmo e utiliza do corpo do outro para potencializar o seu gozo (mas que gozo é esse afinal?). O homem sozinho gosta da sua solidão, mas grita por companhia e sente carência. Então este homem contemporâneo entra no processo de casualidades, satisfazendo o seu instinto sexual e gozando fisicamente frente ao vazio. O que chega à minha escuta é justamente o que já sabemos: a insatisfação inscrita no homem. Nada completa o espaço vazio subjetivo por mais que exista tanta oferta.
Vamos pensar sobre o homem contemporâneo tal como ele é e se apresenta, com suas necessidades e vicissitudes, anseios e vácuos. Aceitemos este homem. Os grandes sintomas pós-modernos surgem da luta subjetiva da ambivalência. É um momento de conhecimento sobre essa nova condição humana de se alimentar de vazios. As anorexias são sintomas de se comer o nada; as redes sociais são sintomas da necessidade de quantidade e exibição, porém de distanciamento (cada um está no seu globo individual); os vínculos rápidos e descartáveis são sintomas da necessidade de preencher para depois esvaziar. O homem está em si mesmo, por si mesmo. Prazer, gozo, descarga energética e vazio. O momento é o da chegada de outra tônica relacional decorrente de tudo aquilo que já sabemos: globalizações, neoliberalismos, grandes guerras, industrializações, dentre outros aparatos históricos, culturais e sociais, todos muito entrelaçados.
É necessário um processo de compreensão sobre este fenômeno e de aceitação dessa nova condição. Toda transição traz angustia e mudança no homem, que é fábrica e instrumento desse mundo. Quem sabe no processo de aceitação as coisas não se tornem menos dolorosas e angustiantes? Compreender a inclusão da experiência do contemporâneo nas subjetividades enquanto constituinte e formadora. É indispensável parar de estigmatizar este momento. São novos encontros, novas práticas e experiências inseridos no período pós-moderno. E eu, daqui de fora e de dentro (como sempre faço), venho me encantando cada vez mais pelo humano e suas facetas. Por mais que seja criticado em suas modificações, ele nunca se completa e não vai se encerrar por aqui, e é aí que está toda a sua sedução e beleza.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Tempo-homem

A persistência da memória - Salvador Dalí

Vai chover
Foi a previsão
Que deu na TV

Desabará água do céu
Mas o que fazer da água
Que aqui desaba?

Chove dentro
A notícia interna
Diz que é época
De chuva forte

Fala-se de tempo
O tempo todo
Mas o que dizer
Do íntimo tempo?

O que falar sobre a água
Que deságua
Em não se sabe onde
Aqui por dentro?

E desse tempo
Quem fará a previsão?
Pergunta uma emoção
E desfaz esta dúvida
A razão

Inundações
Ressacas
Períodos de seca
Água passadas

O tempo em nós
Faz e desfaz
Os nós

Contrariando leis da natureza
Em sua lógica
Ilógica e pulsante

Pela experiência
Do homem
Mergulhado na substância tempo
Tornar-se humano

sábado, 1 de setembro de 2012

Um eterno que está indo embora




        Coisas que tomam forma e depois se desfazem, e que, seguindo o ciclo, se reconstroem. Essa é a nova tônica da contemporaneidade. Andei pensando na noção de eternidade atualmente e cheguei a algumas reflexões. Essa noção está ficando falida, parece que está meio que démodé. Acredito que sair da moda tenha sido uma excelente contribuição do crescimento “sócio- histórico- cultural” em relação à noção de eterno. Sempre acreditei, durante muito tempo na vida, que o que é eterno é melhor. Achava que tudo que era eternizado era realmente importante e significativo. Mas desconstruí essa idéia com muita leitura, com alguma vivência e com muito processo de reflexão.
A eternidade pode escravizar as pessoas em sonhos e metas desnecessárias. Escravizar no sentido de prendê-las a algo que já não as detém. Profissões, amizades, relacionamentos, enfim, práticas que muitas vezes já tiveram o seu momento, mas que infelizmente por demanda do tempo, se esgotaram. Mas a noção romântica e cartesiana impregna nossos pensamentos e nos atormenta em relação ao que tem que durar “para todo o sempre.” Seja em qualquer uma das esferas de nossa vida, essa mania de eternidade demasiada humana atropela todas as coisas e perpassa nosso caminhar. Atualmente, com toda fluidez das relações, percebemos que está um pouco mais fácil se desprender do “fantasma da eternidade”. As pessoas já conseguem ponderar sobre as suas próprias decisões incluindo “a não eternidade” em suas escolhas. Já não é tão gritante não se apegar ao eterno. Tornou-se mais fácil com as modificações sociais e de relações humanas que sempre estamos passando. Essa maleabilidade do quesito relação proporcionou um novo tônus ao eterno. Então ele é, atualmente, “enquanto dure”, como já diria certo “poetinha”. É fantástico poder ter a liberdade de não se prender pela mania de eternidade. Isso demonstra maturidade, compreensão e dinamismo.
Certamente, pensamos juntos que existem muitas coisas que poderiam ser eternas sim. Mas pensando de uma maneira mais “desapegada”, tudo que pára no tempo junto com a eternidade, não proporciona renovação de ciclo, não possibilita engatar a mudança. As unanimidades, as “rainhas”, “reis” e “princesas” da mídia que ficam eternizados nas memórias da massa impossibilitam que chegue o que é novo e que também pode ser bom, ou até mesmo melhor do que os que ganharam títulos. E o povo eterniza: “a rainha disso”, “o melhor de todos os tempos.” Estagnar as coisas, prendê-las no tempo para empurrar o eterno “goela abaixo” faz o homem se tornar um pouco ignorante. Evidencia certo desconhecimento sobre as mil possibilidades que a vida pode trazer. Eternizar tudo é muito mais fácil do que admitir o novo e a mudança de algumas coisas. Cômodo, aconchegante, confortável, demanda menos gasto de energia. Porém tira o sabor do fruto essencial e prazeroso da dinâmica da vida: o mistério. O que vem do que não precisa ser eterno. O que virá daí? Mistério. Ando sempre em busca do âmago do mistério. Um pouquinho de dúvida e de renovação sempre é tentador. Eternidade tem que ser finda. Essas coisas sim ficarão, deixarão saudade, farão os olhos brilharem algumas vezes. Quando os olhos já não brilham, por mais que se queira insistir e esgotar para se atingir o eterno, talvez não seja justo com o que faça ascender o brilho incerto. Talvez incerteza seja a palavra. 

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Pequeno ensaio sobre uma fatia do bolo


É dada a largada do mundo adulto. Mas quando foi isso? A gente às vezes nem se dá conta, mas ao percebermos já estamos rodeados neste universo que na infância aguardamos tanto que chegasse. “Mãe, como é ser adulto?” Parei pra pensar nisso quando percebi em mim. Como tudo que produzo se relaciona àquilo que vivo, nada mais interessante do que fazer uma análise de dentro pra fora e de fora pra dentro. Adoro tudo que admite olhares diversos. Então, vamos falar sobre este momento através da análise que inclui o observador.
Vinte e poucos anos, já virou até música cantada por Raimundos e Fábio Junior (admito que prefiro a versão rock´n´roll brazuca de Raimundos). O que é que há de tão especial nesse nosso momento? Em cada âmbito da vida as coisas parecem modificar com passos largos e numa velocidade incrível.
Você começa a se dar conta que perdeu a paciência para certos tipos de conversa, para certos tipos de pessoas e de lugares. Sair todo final de semana deixa de ser a prioridade de sua vida e pensar no trabalho e carreira parecem tomar as grandes proporções dos nossos pensamentos. Não que a gente abandone o doce invejado da juventude das grandes “farras”, mas as coisas começam a fazer um sentido diferente. Você começa a gostar de estar com amigos na sexta-feira, conversando, ouvindo música, tomando uma e dando risada. Ou então de fazer seus pequenos prazeres e se deleitar com eles: ler, escrever, ouvir música, praticar alguma atividade e ficar vendo um filme. E quando você sai para fazer aquela farra, se sente morto no outro dia. Cansado, parece que não faz mais nada no dia seguinte. Começamos a achar graça disso, afinal existe a idéia do vigor da juventude.
São iniciados os primeiros ensaios no mercado de trabalho. Ainda meio sem jeito, um vôo que parece arriscado e desajeitado. Uns com estágios ainda, outros trabalhando as penosas 08h por dia (no meu caso, 08:30h). Mas nossos 20 poucos anos trazem muita ânsia e desejo de desafio nesse quesito. Nos jogamos, vamos em busca de mais. Começamos a investir em coisas que nem sabemos se vai dá certo. Investimos sem dinheiro para aplicar, o que é mais engraçado. O riso parece pequeno diante das mil possibilidades que criamos em nossos projetos. Queremos um futuro grandioso na carreira. Não é a toa que a nossa geração, a Geração Y, está sendo tão estudada pelos teóricos que pensam as repercussões deste grupo no mundo do trabalho. É um momento que devemos botar a conta em risco. Temos sede de fazer cursos, especializações, novas graduações. A cabecinha não pára, haja idéias! Queremos novas carreiras, queremos, queremos...
E quando toca no quesito relacionamento? Ah, esse sim é um prato cheio. Aliado às características desta nossa fase, existe o “boom” dos fenômenos relacionais contemporâneos, a velha efemeridade aliada à necessidade de criar vínculos. Ser humano que quer se unir e se afastar. Pensando nesta nossa fatia de vida, tudo pode acontecer. Relacionamentos duradouros, iniciados na adolescência ainda, caem por terra. A frustração vem forte e a gente sofre pra caramba com as mudanças, porque o sonho adolescente fazia a gente acreditar no “eterno”. Mas a necessidade de seguir adiante do jovem adulto faz com que isso vire um detalhe (detalhe escrito com letras garrafais em neon). Na verdade, passamos por cima, com dor, mas continuamos. Esta é a fase das tentativas, da descoberta de uma sexualidade mais madura e de novas formas de vínculos, às vezes nada duradouros, às vezes meramente casuais. Traz certa angústia e uma espera. O "ficar" desenfreado não tem a menor graça para a maioria, existe um pequeno (enorme) vazio. As pessoas sofrem silenciosas, todas conectadas em seus facebooks e outras redes “sociais”, mas totalmente desconectadas umas das outras. E quando vem uma paixão? Nossa, é desconcertante! É tão estranho e alheio que às vezes a gente cai fora, sai correndo. Às vezes a gente queria ficar sozinho mesmo, cansamos disso de ter alguém que não temos. Mas nem só de liquidez é feita esta fase. Muitas vezes relações iniciadas aqui duram, duram, duram... O problema é que nos tornamos muito individualistas, talvez o segredo seja abrir mão mesmo. Mas para a juventude pós-moderna isso é um momento, existem tantas outras preocupações. Todos têm a mesma “fé” e não se afligem: vão se encontrar em algum bom encontro (ou não).
A nossa saúde também precisa de atenção especial. Eu sempre fui meio sedentária, enchia a boca pra falar “eu malho o cérebro”. Mas agora mudei o pensamento e a atitude, afinal, o corpo e a mente estão juntos e não dissociados. Nosso metabolismo já não é o mesmo dos 15 aninhos. O corpo, então, muda total (quem dera o de 15 aninhos).  A pele precisa de cuidados anti-envelhecimento (ah, que cedo). Haja cremes, protetor solar, gasta-se. Quem achava um saco ir pra academia, agora vai “na marra” e começa a se “amarrar”. Começamos a tentar encaixar em nossas rotinas, o bem estar e o cuidar-se. Ouvimos dos mais velhos “se cuide, a idade chega com força”. Tememos a velhice e vamos correndo em nossa juventude sempre melhorando. Procuramos mais médicos e queremos sempre aprimorar a estética. Isso, nós geração Y, estamos quase craques. Até da Mc Donalds das madrugas começamos a nos despedir aos poucos (cara triste) e optamos pelo Subway (que não é o metrô).
São muitos os “setores” da vida. O engraçado e diferente é justamente dar um “adeus” à adolescência, onde as coisas ainda eram muito compreendidas, e dizer “olá” para um lugar desafiador e amedrontador. Essa é fase do surto da esquizofrenia, os amigos psicólogos sempre brincam “estamos em plena idade para surtar”. Mas isso não parece assustar tanto, as possibilidades vêm com beleza também. E cada erro pode ser visto como aprendizagem. Estamos sempre nos equilibrando entre o frescor de sermos jovens e a rotina esmagadora da vida adulta. Período de novas crenças, de reativar velhas e de se apoiar na família. Começamos a perceber mais ainda o quanto a família é importante. Grudamos em nossos irmãos, pais, tios, primos. Escolhemos melhor nossos amigos íntimos, temos poucos às vezes, mas que sabemos que são família também. Conhecemos gente, temos sede de mundo, de viajar, de novas culturas. Queremos tanto... Unido a tantos quereres, vem á tona às nossas faturas de cartão, mensalidades, compras, boletos... Finanças é o meu calo! Mas a coisa boa está justamente aí, temos chance de errar e ir aprendendo. Temos uma vontade tão grande que tudo parece ir tomando um rumo. E isso que eu chamo de rumo é a própria construção de nossas vidas. É por essas e outras, que esta fase é digna de atenção. Por isso incentivo que seja vivida com muito entusiasmo e que se saboreie cada momento, desfrutando e aprendendo.