domingo, 19 de janeiro de 2014

A sociedade do fim. E o resto?

Outro dia estava conversando com um amigo entre alguns goles de cerveja e falávamos sobre a necessidade que a sociedade atual tem de chegar ao fim das coisas. Achei tão excitante a idéia de prolongar aquela prosa que chegamos a conclusão que somos treinados para o grand finale.  Desde guris aprendemos na escola que temos que nos matar de estudar merdas que detestamos e que não temos afinidade nenhuma (como eu que não aprendi 5% de física e fui para todas as recuperações desta matéria e exerço a minha profissão sem precisar desta bosta) para “chegar lá”. Nos empurram para um treinamento severo de ser o melhor em tudo o que fazemos, e fazem acreditar que grande parte da felicidade está nisso. Esse amigo que tem uma boa condição profissional se queixava de que tinha atingido um patamar considerável, mas que agora estava entrando em uma “vibe” de pegar sua grana e sair por aí viajando, coisa que fazia muito, mas estava fazendo profissionalmente. Ele não estava mais a fim de chegar lá, desistiu no caminho para poder observar o caminho. Nosso papo foi além da questão profissional que é nítida aos nossos olhos, mas a “sociedade do chegar lá” está impregnada em tudo, nas nossas relações familiares, sociais, afetivas, sexuais e até no lazer. Existe a exigência de ser bom e visto em tudo, de ter o grand finale dos filmes hollywoodianos. Numa relação começa-se a conhecer alguém e já imagina como seria se vocês estivessem filhinhos gêmeos, passando as férias na casa de praia linda com um carro 4x4. Não vale a experiência de conhecer mais uma pessoa que pode te ensinar algo sobre suas próximas relações, seja para repetir ou seja para cair fora e não repetir nunca mais. Tem pessoas que mantém relações só porque mostram que elas chegaram lá (no poço da solidão). Até nos momentos de lazer a sociedade que só quer chegar lá busca aquilo que seja linha TOP, que custe caro, que seja visto como invejável. Para quem vê? Já paguei caro em algumas festas, mas adoro tomar uma no boteco mais fuleiro que me convidarem, que eu pague pouco e saia alegre e cantarolando besteira. Na balada TOP seu objetivo é sempre ficar com a mina ou o mano mais cobiçado e delícia, os outros que tem possibilidade de ter algo mais bacana nem são percebidos. A vida sexual se não for a relação multi-orgástica que se perca o ar não vale à pena, todas vezes você tem que conseguir, senão não se chegou lá. Não vale a experiência dos pequenos prazeres que o sexo proporciona, tem que ter um puta gozo porque senão a graça foi toda embora. A minha conclusão é que vivemos numa sociedade que o fim é muito mais importante do que os percursos, as miudezas que também estão presentes são desprezadas porque o objetivo final é tão causador de frisson que as pessoas vão passando pela vida num corre-corre. Quanto mais conheço e pratico a filosofia do yôga, mas me encanto com que aprendo. A necessidade da paciência e da espera para aproveitar o vivenciar de cada despertar do próprio corpo. Segurar o mal-estar de um período pensando num bem-estar completo, vivenciado cada momento atual como se fosse único. Estamos, infelizmente, presos a essas coisas do chegar lá, bem ocidental e causador de muito sofrimento para um tanto de gente. Eu a cada aprendizado vejo que quero continuar no percurso dos progressos pequenos, outro dia me encantei com o motorista do trabalho que me leva para os postos de saúde. Ele estava dirigindo na estrada e se encantou com um pássaro que passou pelo vidro do carro. Ele nem se importou se erraria e bateria o carro porque estava encantado. A sociedade que só quer chegar lá não tolera fracassos, erros e despedidas. Por isso não há mais encantamento com nada, as coisas só importam no final. Essa foi mais uma daquelas conversas que tenho e que valem mais do que uma aula de filosofia ou antropologia, é o bate-papo da experiência e que me ensina demais a refletir sobre esses nossos fazeres, seres e modos de vida. Esse caminho também está sendo novo para mim, afinal estou imersa nessa sociedade, eu não sou a superior que sacou tudo isso e tá aqui contando essa história não. A diferença é que continuarei investindo nessa novidade do caminho em que tento valorizar mais o percurso do que o final, acho lindo recomeçar e atualmente até aprecio o erro.

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