Outro dia estava conversando com um
amigo entre alguns goles de cerveja e falávamos sobre a necessidade que a
sociedade atual tem de chegar ao fim das coisas. Achei tão excitante a idéia de
prolongar aquela prosa que chegamos a conclusão que somos treinados para o grand finale. Desde guris aprendemos na escola que temos que
nos matar de estudar merdas que detestamos e que não temos afinidade nenhuma (como
eu que não aprendi 5% de física e fui para todas as recuperações desta matéria
e exerço a minha profissão sem precisar desta bosta) para “chegar lá”. Nos empurram
para um treinamento severo de ser o melhor em tudo o que fazemos, e fazem
acreditar que grande parte da felicidade está nisso. Esse amigo que tem uma boa
condição profissional se queixava de que tinha atingido um patamar considerável,
mas que agora estava entrando em uma “vibe” de pegar sua grana e sair por aí
viajando, coisa que fazia muito, mas estava fazendo profissionalmente. Ele não
estava mais a fim de chegar lá, desistiu no caminho para poder observar o
caminho. Nosso papo foi além da questão profissional que é nítida aos nossos
olhos, mas a “sociedade do chegar lá” está impregnada em tudo, nas nossas
relações familiares, sociais, afetivas, sexuais e até no lazer. Existe a
exigência de ser bom e visto em tudo, de ter o grand finale dos filmes hollywoodianos. Numa relação começa-se a
conhecer alguém e já imagina como seria se vocês estivessem filhinhos gêmeos,
passando as férias na casa de praia linda com um carro 4x4. Não vale a experiência
de conhecer mais uma pessoa que pode te ensinar algo sobre suas próximas
relações, seja para repetir ou seja para cair fora e não repetir nunca mais.
Tem pessoas que mantém relações só porque mostram que elas chegaram lá (no poço
da solidão). Até nos momentos de lazer a sociedade que só quer chegar lá busca
aquilo que seja linha TOP, que custe caro, que seja visto como invejável. Para
quem vê? Já paguei caro em algumas festas, mas adoro tomar uma no boteco mais
fuleiro que me convidarem, que eu pague pouco e saia alegre e cantarolando
besteira. Na balada TOP seu objetivo é sempre ficar com a mina ou o mano mais
cobiçado e delícia, os outros que tem possibilidade de ter algo mais bacana nem
são percebidos. A vida sexual se não for a relação multi-orgástica que se perca
o ar não vale à pena, todas vezes você tem que conseguir, senão não se chegou
lá. Não vale a experiência dos pequenos prazeres que o sexo proporciona, tem
que ter um puta gozo porque senão a graça foi toda embora. A minha conclusão é
que vivemos numa sociedade que o fim é muito mais importante do que os percursos,
as miudezas que também estão presentes são desprezadas porque o objetivo final
é tão causador de frisson que as pessoas vão passando pela vida num
corre-corre. Quanto mais conheço e pratico a filosofia do yôga, mas me encanto
com que aprendo. A necessidade da paciência e da espera para aproveitar o
vivenciar de cada despertar do próprio corpo. Segurar o mal-estar de um período
pensando num bem-estar completo, vivenciado cada momento atual como se fosse
único. Estamos, infelizmente, presos a essas coisas do chegar lá, bem ocidental
e causador de muito sofrimento para um tanto de gente. Eu a cada aprendizado
vejo que quero continuar no percurso dos progressos pequenos, outro dia me
encantei com o motorista do trabalho que me leva para os postos de saúde. Ele
estava dirigindo na estrada e se encantou com um pássaro que passou pelo vidro
do carro. Ele nem se importou se erraria e bateria o carro porque estava
encantado. A sociedade que só quer chegar lá não tolera fracassos, erros e despedidas.
Por isso não há mais encantamento com nada, as coisas só importam no final.
Essa foi mais uma daquelas conversas que tenho e que valem mais do que uma aula
de filosofia ou antropologia, é o bate-papo da experiência e que me ensina
demais a refletir sobre esses nossos fazeres, seres e modos de vida. Esse
caminho também está sendo novo para mim, afinal estou imersa nessa sociedade,
eu não sou a superior que sacou tudo isso e tá aqui contando essa história não.
A diferença é que continuarei investindo nessa novidade do caminho em que tento
valorizar mais o percurso do que o final, acho lindo recomeçar e atualmente até
aprecio o erro.